A festa dos pares
2024

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GUERRERO Omar
Editos

 

A clínica com crianças nos mostra, apesar das mudanças da época, uma persistência da neurose familiar – o mesmo teatro se encena, aliás, para as crianças acompanhadas de um casal de mães…. ou de pais. E os pacientes adultos, como pôde dizer Charles Melman, não testemunham outra coisa: o desconforto ou a frustração, até mesmo a violência, causados por uma dissimetria que é, no entanto, estrutural.

 

As famílias que consultam os psis estão no mesmo embaraço, assim como as equipes de profissionais que falam dessa situação em supervisão. Tanto quanto os nossos ministros, que falam dela eventualmente. Aí está, é a mesma dificuldade em fazer existir um lugar de autoridade que funcione: praticamente só haveria abuso ou compadrio. Como o primeiro é – feliz e necessariamente – interditado, o segundo, que se vende melhor, se generaliza.

 

É a festa dos pares! Desembaraçados do pai mítico que goza, estaríamos em fraternidade, todos iguais. Orwell apontava, entretanto, em 1945, que havia aqueles que eram mais iguais que outros…Dizendo de outra maneira, por trás dessa pirueta retórica, ele mostrava a ilusão de uma lógica horizontal, acéfala [acéphale].

 

Ora, é muito mais um assaz falo [assez phale], como disse Lacan um dia, que deveria ser temido. Não vetorizado, sem inscrição simbólica e, portanto, sem legitimidade, aquele que segurará o leme o terá tomado pela violência – ao risco de voltar a formas arcaicas do mestre, confundindo a função e a pessoa.

 

Seriam os psicanalistas nostálgicos, como algumas vezes são acusados? Reacionários declamando um “antes era melhor” desesperado? Nada disso. Para além da constatação clínica que fazem no cotidiano, eles não podem se permitir a ingenuidade ou a suficiência de se crerem definitivamente vacinados: eles sabem que nadam no mesmo social, alimentado por um discurso insano – o capitalista – que os espreita e os seduz (considerem por exemplo a mais-valia, que se senta em nossas mesas, em nossas telas, só para contar). Com que efeitos sobre a transferência? Um desamor?

 

O espaço da sessão, e talvez dos ensinos, permanece um lugar raro onde o sujeito é convidado a se tornar adulto, logo consequente. Mas isso só é possível, vocês terão compreendido, numa dissimetria de estrutura, que não é mais forçosamente aquela, desfeita, de um patriarcado hoje conspurcado.

 

 

Omar Guerrero

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