Felix Klein (1849-1925) foi um matemático nascido em Düsseldorf, antiga Prússia, atual Alemanha, que ficou conhecido por suas pesquisas na geometria não-euclideana. Herdeiro do trabalho de Plücker, colega de Engel e contemporâneo dos fundadores da Topologia, De Morgan, Jordan e Poincaré, Klein deu uma importantíssima contribuição às teorias do Grupo e da Função. As primeiras descobertas matemáticas importantes de Klein foram feitas em 1870 em colaboração com Marius Lie. Em 1875, Klein casou-se com Anne Hegel, neta do filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
Klein desenvolveu a geometria de Riemann e a teoria das funções. Mas sua saúde delicada conspirava contra sua força de trabalho. Como se lê em sua biografia : « nele conviviam duas almas… uma que aspirava a uma vida acadêmica tranqüila, a outra, à vida ativa de editor, professor, e pesquisador científico… Durante o outono de 1882, estes dois mundos vieram abaixo… sua saúde desmoronou completamente, e durante os anos de 1883-84 foi flagelado por uma depressão ». (Será que temos aqui mais um matemático angustiado?!)
Além da teoria dos Grupos, Klein inventou a nossa querida garrafa de Klein. Ele também desenvolveu uma teoria de funções automórficas, conectando resultados algébricos e geométricos em seu livro de 1884, sobre o icosaedro. Entretanto, na mesma época (1881), Poincaré – conhecido como o pai da topologia – começou a publicar um esboço da teoria das funções automórficas e isso provocou uma acirrada competição entre ambos. Primeiramente, iniciou-se uma correspondência entre eles, que logo deu lugar a uma « rivalidade amigável », cada um procurando formular e provar um teorema que servisse como a pedra angular dessa nova ciência.
Reflexos no espelho
O texto kleiniano (do Félix, não da Melanie!), conhecido como « Reflexos no espelho » ou « programa de Erlanger » (1872), influenciou profundamente o desenvolvimento da matemática. Este foi escrito para a ocasião da aula inaugural de Klein, quando ele foi nomeado professor em Erlangen (embora não tenha sido realmente o discurso que ele deu nessa ocasião). O programa, inovador na época de Klein, propõe uma aproximação entre a geometria espacial (euclideana) e a geometria analítica (não-euclideana). Hoje as contribuições de Klein já foram completamente absorvidas pela matemática moderna.
O Grupo de Klein é uma função de transformação. Transformações jogam um papel fundamental na matemática moderna. Klein mostrou como as propriedades essenciais de uma geometria poderiam ser representadas por grupos de transformações, em que dois elementos jogam entre si para formar um terceiro, onde:
0 = neutro (o elemento, em contato consigo mesmo, nada faz)
a x b = c
b x c = a
a x c = b
A relação entre os quatro elementos pode ser organizada nesta tabela:
0 | a | b | c |
a | 0 | c | b |
b | c | 0 | a |
c | b | a | 0 |
Uma lógica quaternária
Podemos considerar a lógica de Lacan uma lógica quaternária. Vejam, por exemplo, os esquemas L, R e I; o sistema α, γ, θ, δ; o Grafo do desejo; a fórmula da metáfora; os quatro discursos; a lógica da sexuação…
Os grupos de Klein estão presentes na maioria das elaborações de Lacan. Desde o « diamante » do Seminário Os escritos técnicos de Freud (53/54), no qual as três « paixões do sujeito » (amor, ódio e ignorância) são postas nos lados de um primeiro triângulo, que vai se desdobrando em uma análise. Mas o que eu gostaria de retomar aqui é o tratamento que Lacan deu ao cogito de
Descartes, a partir de um grupo de Klein.
Primeiramente, no seminário A identificação, Lacan transformara os laços cartesianos entre o pensamento e o ser (« penso, logo sou »), através de uma abordagem « morganiana » (do matemático e lógico De Morgan (1806-1871)), dos círculos de Euler (1707-1783).
Mais tarde, no seminário La logique du fantasme (lição de 14/12/66) o cogito cartesiano foi retomado sob o prisma dos grupos de Klein.
E foi também a partir de uma associação sobre o cogito cartesiano que Lacan recuperou este raciocínio, no seminário O ato psicanalítico (1967-68).
Com a lógica da alienação (ou… ou…), Lacan encontrou uma alternativa de escritura para a falta original do sujeito. « O interesse desta teoria dos conjuntos é que ela introduz no pensamento matemático sob uma forma mascarada, o sujeito da enunciação que vem, assim, se igualar à função de conjunto vazio. Isso justifica no cogito a passagem do « penso, logo sou », à sua negação « não penso, não sou », sob forma de uma reunião: reunião daqueles que negam a conjunção das duas proposições ».
O que se operava em Descartes era, conforme Lacan, a transformação da relação patética (no sentido de pathos) da interrogação filosófica, em uma outra coisa: em um questionamento da função do eu, ou seja, do sujeito. Esta substituição (do penso pelo sou) precisava ser questionada justamente pela negação. Se « eu penso » é necessário para « eu sou », se não houver « penso », não haverá « sou ». Logo, sem « pensar », nada de « ser »! Na linguagem lógica, diríamos: se P logo Q; não P, logo não Q. Ora, como o sujeito nasce do nada, do vazio ou do lugar falta, que não por acaso também é o lugar do desejo, a lógica é subvertida, pois o lugar mais « vazio » é o lugar mais « cheio ». Entre o pensar e o ser, o lugar é do objeto a e do -φ (fi negativo) – o desejo sempre vem no lugar da falta.
Negando-se ambas as expressões: « Ou eu não penso, ou eu não sou », e se juntarmos a isto o « soll Ich werden » freudiano – « Eu devo advir » – teremos a seguinte equação: « lá onde Isso era… Eu não penso »! Observem que no seminário « O ato… » está grafado ao contrário de como se costuma nos livros de lógica: o conjunto hachureado contém elementos, e onde está em branco, é vazio. Com a ressalva de que os campos que contêm elementos são sempre negativos (Não penso, Não sou), o que faz com que onde contém, não contenha, e vice-versa.
Lacan, no seminário O ato Psicanalítico utilizou-se de um esquema semelhante a este, com uma estrutura tetraédrica (grupos de Klein):
Onde está o analista neste esquema?
Lacan indicou que o Inconsciente, isto é, o lugar da Verdade, possui um estatuto lógico no qual o sujeito é suposto se alojar só depois (« après-coup »). Por isso, o discurso analítico seria como um « lugar reserva », sendo a interpretação uma tentativa de preservar esse lugar.
O mais interessante deste esquema é o lugar de eclipse, em que o psicanalista seria colocado, na transferência. Ali o analista estaria, de certa forma, preservado no lugar de sujeito suposto saber.
A estrutura de uma análise seria a mesma da construção subjetiva. Partindo da divisão inaugural do sujeito (« ou… ou… »), passando pelo lugar do « lá onde Isso era » (« sou, não penso »), seguindo para a instalação em seu falso-ser inconsciente (« penso, não sou »), para se reencontrar finalmente no lugar do desejo.
O final de uma análise traria necessariamente uma certa realização do que Lacan chamou de « operação verdade », em que o analista seria destituído do lugar do suposto saber. Seria percorrer um percurso completo no grafo acima, até chegar a esta falta que define a essência do homem – que chamamos de desejo – e que corresponde ao acesso à castração simbólica.
Esta é apenas uma leitura possível (a minha), dessa viagem de Lacan através dos grupos de Klein e da lógica da alienação. Muitas outras são possíveis, e convido vocês a lerem as aulas 5 e 6 do Seminário O ato psicanalítico e a fazerem as suas!
BIBLIOGRAFIA:
Lacan, J. – Seminário Los escritos tecnicos de Freud (1954/55). El Seminário, versão em CD- rom. – Seminário A identificação (1961/62). Ed. Interna do CEF/ Recife. – Seminário La logique du fantasme (1966/67). Ed. Interna da Associação freudiana internacional. – Seminario L’acte psychanalytique (1967/68). Ed. Interna da Associação freudiana internacional. Resumo do Seminário de Topologia da APPOA, ministrado por Ligia Víctora em 09/07/2004.
Estes e outros dados encontram-se no site: http://www-gap.dcs.st-and.ac.uk/~history/BiogIndex.html. Tradução minha. (LGV) Lacan, seminário A lógica do fantasma, lição de 14/12/66, tradução minha. L.G.V.
Lacan, L’acte psychanalytique, lição de 10/01/68.
O diamante de Lacan (1954-55). O formato de diamante foi recuperado anos depois, no seminário « Ou pior… » (71/72), desta vez mostrando o trajeto a ser seguido para: « eu te peço que recuses o que te ofereço (porque não é isso…) ».